O sofrimento psíquico na sociedade de consumo
Publicado por: Karina Fatá Dahan em 19/4/2013
Categoria: Psicologia
O sofrimento pode aparecer em qualquer circunstância da vida, em diversas formas de
manifestação. O sofrimento pode estar ligado a uma perda, a dor física (manifestação
somática), dor psíquica ou moral. Filósofos e estudiosos atestam, no decorrer da história da
humanidade, que o sofrimento faz parte da condição humana, ou seja, que ele é constitutivo
do humano. Portanto, se questionar sobre o sentido do sofrimento, seja ele qual for, é se
questionar sobre a própria existência.
Porém, como questionar o sentido do sofrimento, numa sociedade onde se vende a imagem da
felicidade a qualquer preço? Onde a obtenção do prazer está em primeiro plano como
mercadoria? Onde não estar feliz, falar de tristeza, de vazio, é vergonhoso. A sociedade de
consumo em que vivemos desenvolve a cada instante, como mercadoria a ser consumida,
dispositivos ideologicamente elaborados, para induzir o bem-estar, induzir a felicidade. Os
sujeitos tentam corresponder aos modelos que a sociedade dita através da mídia, das redes
sociais buscando corresponder ilusoriamente o que a sociedade indica como o caminho para a
felicidade, ou a própria felicidade. As mercadorias consumidas oferecem status ao consumidor
e são cada vez mais propagadas pela mídia. Sem contar à medicalização que cada vez mais
trata todos os sintomas psíquicos como tendo uma prescrição orgânica. Assim, um sujeito que
se julga ansioso e toma um medicamento voluntariamente, a fim de por fim a sua ansiedade,
fica sem saber de que causalidade psíquica decorre seu sintoma. Estamos diante da tirania
das imagens e diante de uma submissão alienante nesta atual sociedade. Imperando o mito da
igualdade, onde o que é ditado pelo consumo, faz o sujeito se comparar e querer ter por uma
questão de identidade. Claro, que assim, o sucesso material é valorizado e assim, temos como
conseqüência a competitividade. Mito da igualdade, já que sublinhando a igualdade, estará
acentuando as diferenças. O que é comprado é visto e mensurado pelos consumidores.
Em 1930, Freud publica em Viena um livro inicialmente chamado de Das Unglück in der kultur
(A infelicidade na cultura) e depois alterado para Das Unbehagen in der kultur (O mal-estar na
cultura). Ficando em português como O mal-estar na civilização. Freud inicia o trabalho
apontando o modo de pensar psicanalítico sobre a relação do homem com a natureza e com a
sociedade. Ao se questionar sobre o própósito da vida, referindo-se aos próprios homens,
levanta a seguinte questão “O que pedem eles da vida e o que desejam nela realizar?” E já
responde sem dúvidas, que “Esforçam-se para obter felicidade; querem ser felizes e assim
permanecer.” Vale ressaltar que a própria noção de felicidade é remetida a satisfação imediata
das pulsões e é fundada sobre o princípio do prazer.
Assim, esta busca da felicidade envolve dois aspectos: evitar o desprazer, ou melhor, a
ausência do sofrimento; ou a busca de intensos sentimentos de prazer. Desse modo, qualquer
situação desejada (pelo princípio do prazer), pode resultar no sentimento de prazer muito tênue
ou na infelicidade; vai depender da nossa própria constituição. Porém, Freud afirma que
experimentar a tal infelicidade não é tarefa difícil e aponta três direções por onde o sofrimento
nos ameaça: de nosso próprio corpo, do mundo externo e de nossos relacionamentos com
outras pessoas. Portanto, por que é tão difícil para o homem ser feliz?
Passados oitenta e três anos em que O mal-estar na civilização foi escrito e publicado,
percebemos que durante as últimas gerações, a humanidade efetuou um progresso
extraordinário, na área tecnológica, nas ciências naturais, medicina etc. E mesmo assim, todos
estes progressos não aumentaram a quantidade de satisfação prazerosa que poderíamos
esperar da vida e não nos tornou mais felizes. Nas circunstancias em que Freud escreveu
este texto e anos que se seguiram, a lógica que animava era a busca de uma liberdade, hoje
temos uma liberdade em excesso e não sabemos como agir nela. O que fazer com tanta
liberdade? Como ser feliz nesta atual sociedade?
Das três fontes de sofrimento que Freud indicou, destaco aqui o corpo, como sendo o suporte
dos afectos, das afecções e onde os sintomas são evidenciados. A psicanálise oferece ao
paciente uma escuta diferencial, compreendendo como este sintoma se expressa, se
manifesta através da fala. É no campo da interpretação que poderemos ajudar ao paciente a
produzir sentido para o seu sintoma. Buscar a causa psíquica para as suas questões e assim
que ele possa representar este sintoma que não mais pelo corpo e isto indicará um alívio para
seu sofrimento. Visto que na cultura de consumo encontramos cada vez mais sujeitos
insatisfeitos, esvaziados, sofrendo, porém nem sempre dispostos a falar de seus sofrimentos
íntimos, preferindo se entregar voluntariamente a substâncias químicas. O poder da
medicalização, portanto como um dos sintomas da nossa atual sociedade, que tenta abolir no
sujeito o desejo de questionar sobre si e prefere o silêncio à fala.

FREUD, S. O Mal-estar na civilização. ESB, RJ, Imago editora, vol.XXI, 1969, p. 84.
Idem, p. 84.



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