Conteúdo Saúde: Como podemos saber se de fato temos diabetes?
Carla Monteiro: O Diabetes Mellitus á uma doença caracterizada por aumento dos níveis de açúcar no sangue (hiperglicemia), e pode apresentar-se de diversas formas clínicas, variando de indivíduo para indivíduo. Uma grande parte das pessoas que iniciam um quadro de diabetes são assintomáticas, ou seja, não apresentam sintomas relacionados à doença, e muitas vezes o diagnóstico é feito em exame médico de rotina.
Conteúdo Saúde: Quais são os sintomas mais freqüentes de quem apresenta um quadro diabético?
Carla Monteiro: Quando há sintomas, em geral, o início é insidioso e brando, variando de acordo com a gravidade do diabetes. As queixas mais freqüentes são em decorrência da hiperglicemia e podem ser caracterizadas por:
• Poliúria: aumento do volume da urina que acontece por aumento dos níveis de açúcar na urina levando a uma diurese osmótica;
• Polidipsia e boca seca: é o aumento da sede que ocorre por estímulo ao centro da sede em decorrência da poliúria (aumento do volume da urina);
• Polifagia: excesso de fome que ocorre em 1/3 dos pacientes por alteração dos mecanismos da fome e da saciedade.
• Emagrecimento: acontece já em uma fase mais avançada e pode ser rápido ou gradativo ao longo da evolução do diabetes.
• Fraqueza: é uma queixa bastante comum geralmente havendo dificuldade para realização das atividades diárias habituais.
• Alterações visuais: pode ocorrer turvação visual ou redução da acuidade visual, que são tanto por flutuações dos níveis de açúcar no sangue, quanto por complicações oculares da doença instalada de longa data.
• Infecções urinárias/ candidíase são queixas comuns no início do diagnóstico.
Outras queixas também comuns podem ser a disfunção erétil (disfunção sexual) ou redução de libido (apetite sexual), que ocorre tanto em homens quanto em mulheres; sensação de dormência nas pernas; doença periodontal, entre outras.
Algumas vezes o sintoma inicial já é em decorrência das complicações vasculares da doença como angina (dor no peito), infarto ou derrame e até gangrena com conseqüente amputação de membros inferiores (pés ou pernas).
O fato de o diabetes ser muitas vezes uma doença silenciosa, ou seja, não apresentar sintomas iniciais, faz com que uma grande parte da população diabética (até 50%) desconheça o seu diagnóstico e por isso retarde o seu tratamento, o que é prejudicial para o aparecimento das complicações crônicas.
Conteúdo Saúde: Em que momento o indivíduo, pode verificar se está apresentando diabetes?
Carla Monteiro: Na verdade se há algum dos sintomas descritos acima, a investigação deverá sempre ser realizada através de exames de sangue.
Naqueles indivíduos que não apresentam sintomas, o rastreamento deve ser feito em pessoas acima de 45 anos, a cada 3 a 5 anos, com medida dos níveis de glicose (açúcar) em exame de sangue em jejum de 8h a 12h. Porém, essa pesquisa deve ser feita mais precocemente, ou seja, antes de 45 anos de idade ou mais freqüentemente (1 a 3 anos) quando há fatores de risco para o desenvolvimento do diabetes, a saber:
• Excesso de peso (sobrepeso ou obesidade);
• Alterações dos níveis de colesterol ou triglicerídeos;
• HAS (hipertensão arterial);
• Doença cardiovascular (angina, infarto ou derrame);
• História familiar de diabetes em parentes de primeiro grau (pais, filhos ou irmãos);
• Diagnóstico anterior de diabetes gestacional ou abortos espontâneos de repetição;
• Sedentarismo (falta de atividade física);
• Uso de medicações que podem aumentar os níveis de açúcar no sangue como, por exemplo: corticóides.
Se a glicemia de jejum for normal (valor de normalidade atual: GJ<99mg/dl), o rastreamento é negativo, ou seja, o indivíduo não apresenta diagnóstico de diabetes.
Por outro lado, se o exame mostrar níveis acima de 126 mg/dl, nova coleta de sangue deve ser realizada para ser confirmado o diagnóstico.
Quando o nível de glicemia de jejum estiver entre 99 e 126mg/dl, seu médico provavelmente deverá solicitar um TOTG (teste oral de tolerância à glicose), que é um exame mais específico e poderá fazer um dignóstico mais precoce de diabetes, ou até de pré-diabetes, fase em que já deverá ter cuidados para prevenir que aconteça a evolução para um quadro franco de diabetes.
Conteúdo Saúde: Qual a vantagem de se fazer um diagnóstico precoce? Existe algum tipo de prevenção?
Carla Monteiro: Vários estudos mostram que pessoas com níveis de glicemia de jejum ou após alimentação alterados (intolerantes á glicose), mesmo que ainda não tenham critérios para o diagnóstico de diabetes, podem ter risco aumentado de doenças cardiovasculares. Além disso, hoje já se sabe que há como prevenir a evolução para o diabetes, se houver uma modificação do hábito de vida, com melhora da qualidade da alimentação e a prática de atividade física. O principal estudo de prevenção em diabetes mostra que, nesse grupo de pessoas com glicemia de jejum alterada ou intolerante à glicose, uma redução de 8% do peso corporal, independente do peso inicial através de dieta com redução de gorduras e a prática de 2h e meia de atividade física por semana, podem reduzir a chance de evolução para diabetes em até 58%. Nessa fase, podem ainda ser usados alguns medicamentos que podem ajudar a reduzir os níveis de açúcar no sangue, reduzindo também a evolução para a doença. É importante ressaltar que nenhum medicamento mostrou-se mais eficaz que a dieta e atividade física no que diz respeito à prevenção.
Conteúdo Saúde: Quais são os tipos de diabetes existentes?
Carla Monteiro: Os principais tipos de diabetes são tipo 1 e tipo 2. O diabetes tipo 1 é uma doença que aparece principalmente na infância e na adolescência. É caracterizada por depender sempre do uso de insulina para o seu tratamento, por isso era chamada também de diabetes mellitus insulino-dependente.
O diabetes tipo 2 é o tipo de diabetes mais prevalente, acomete especialmente adultos e tem sua incidência aumentada com o avançar da idade. Nesse tipo de diabetes há uma forte predisposição familiar, além de estar relacionada a fatores de risco como sedentarismo, obesidade e stress. Nesses casos o tratamento pode ser feito tanto com comprimidos, quanto com insulina, dependendo de cada caso.
Outros tipos:
• Diabetes gestacional: aumento dos níveis de açúcar no sangue que acontece durante a gestação. Todas as mulheres grávidas devem fazer rastreamento, ou seja, investigação para diabetes, que em geral é solicitada pelo próprio obstetra.
• Diabetes causados por doenças pancreáticas como pancreatite, neoplasias ou traumas.
• Diabetes induzidos por medicamentos como corticóides, diuréticos, entre outros.
• Diabetes relacionadas a outras doenças endócrinas ou infecciosas ou até síndromes genéticas.
Conteúdo Saúde: Quais são as complicações que a diabetes pode trazer, para um indivíduo?
Carla Monteiro: As complicações do diabetes podem se divididas em agudas e crônicas.
As complicações agudas são eventos esporádicos e em geral são decorrentes do aumento acentuado dos níveis de açúcar no sangue, seja por falta de diagnóstico de doença, seja por infecções como, por exemplo, infecções urinárias ou simplesmente pela interrupção do tratamento, como parar de tomar os medicamentos. Como exemplos de complicações agudas temos a cetoacidose diabética e o coma hiperosmolar que dependem de internação e uso de insulina para o seu controle.
As complicações crônicas ocorrem pela falta de controle da doença ao longo dos anos. Elas surgem de maneira gradativa e muitas vezes são irreversíveis e responsáveis pela piora significativa da qualidade de vida dos pacientes. As complicações crônicas podem ser divididas em microvasculares (acomentem pequenos vasos) ou macrovasculares (acometem grandes vasos). São elas:
Microvasculares:
• Retinopatia: lesão nos olhos causados pela falta de controle do diabetes ao longo dos anos. Devemos ressaltar que o diabetes é a principal causa de cegueira na população adulta;
• Nefropatia: é a insuficiência renal que pode acontecer nos pacientes mal controlados. 30% dos pacientes em diálise são diabéticos;
• Neuropatia: lesão do sistema nervoso que cursa com dormência e falta de sensibilidade nas pernas e nas mãos, podendo favorecer a amputações em pés e pernas em casos mais graves.
Macrovasculares:
• Doença coronariana: angina e/ou infarto agudo do miocárdio;
• Doença cerebrovascular (AVC): popularmente conhecido como derrame;
• Insuficiência cardíaca;
• Doença vascular periférica: entupimento de vasos periféricos como, por exemplo, das pernas, que cursam com dor em pés e pernas podendo também favorecer necrose e gangrena com conseqüente amputação.
Conteúdo Saúde: Quais são as formas de tratamento?
Carla Monteiro: O tratamento do diabetes deve incluir uma série de medidas medicamentosas e não medicamentosas que visam o bom controle da doença. As medidas não medicamentosas dependem muito da cooperação dos pacientes e são tão importantes quanto o uso dos medicamentos quando indicados. Dentre as medidas não medicamentosas incluímos:
• Plano alimentar que deve ser orientado por uma nutricionista, de acordo com cada indivíduo;
• Plano de atividade física, desde que não haja contra-indicação médica, seja por doença cardiovasular ou por problemas ortopédicos;
• Plano de educação em diabetes: como é uma doença que depende muito do paciente, quando há um conhecimento sobre a patologia, suas complicações e seu tratamento, a aderência ao tratamento é comprovadamente maior. O plano de educação deve atingir o paciente e seus famliares.
• A interrupção do tabagismo é parte fundamental do tratamento e pode ser feito através de grupos anti-tabagismo, medicamentos ou ambos.
O tratamento medicamentoso do diabetes deverá ser prescrito pelo seu médico e é individualizado para cada paciente, dependendo dos seus níveis de açúcar no sangue, das complicações crônicas existentes, das patologias concomitantes como hipertensão arterial, aumento dos níveis de colesterol e até das condições financeiras de cada indivíduo. Muitas vezes será necessário o uso de mais de um medicamento, e nenhum deles deverá ser esquecido, pois certamente fará falta para o seu controle metabólico.
Como novidades para o tratamento do diabetes existem alguns autores estudando um tipo de cirurgia abdominal que tem como objetivo o tratamento cirúrgico do diabetes, mas essa ainda não se caracteriza uma realidade na prática clínica diária.
É fundamental lembrarmos sempre que no tratamento de um paciente com diabetes a preocupação com o controle do nível de açúcar não é suficiente para garantirmos a qualidade de vida e uma boa evolução da doença. Para que possamos ter um paciente bem controlado é importante o controle da pressão arterial, do colesterol e triglicerídeos, redução da obesidade, interrupção do tabagismo e introdução da prática de atividade física.
Como conclusão, podemos dizer que o diabetes é uma doença muito comum e que uma grande parte dos pacientes não sabe do seu diagnóstico. Mesmo aqueles que sabem, muitas vezes não têm tratamento adequado e que apesar de uma série de complicações agudas e crônicas, é uma doença que pode ser prevenida e tratada de forma adequada com redução da incidência das complicações e melhora da qualidade de vida dos pacientes e certamente seus familiares.
CARLA MONTEIRO É ENDOCRINOLOGISTA E COLUNISTA CONVIDADA.
(CRM: 5260237-3)