Uma separação familiar é comum hoje em dia, o que não a torna menos dolorosa, mas é um fato da vida. Quando ela ocorre, é uma situação misteriosa, carregada de fantasmas, presentes e passados, de perdas, medos e raiva. Para poder ser vivida com menos sofrimento precisa ser conhecida e reconhecida como o que é: uma solução possível diante de uma vivência cotidiana de que um rompimento que já existe, só que não reconhecido claramente.
Muitas vezes compromisso conjugal e compromisso parental se confundem. É crucial lembrar que o que é rompido numa separação ou num divórcio é o compromisso conjugal. Nada, a não ser a retirada do pátrio poder, pode liberar um dos pais de seus poderes e responsabilidades em relação a seus filhos. O fim de um casamento não pode se tornar uma situação de orfandade para a criança, o que irá provocar, no futuro, um preço alto a ser pago.
Uma criança constrói seu sentimento de existência a partir das inúmeras experiências repetidas de cuidados físicos e afetivos, de um ambiente estável, da criação de uma rotina, que forma como um envelope protetor em volta dela. É no conforto desta constância que a criança encontra a confiança de que é cuidada. Este envelope protetor não necessariamente se quebra com um processo de separação conjugal.
Pode ser abalado, mas o rompimento surge através da instabilidade dos cuidados em relação à criança e da quebra da confiança nas figuras parentais. Vemos batalhas sangrentas travadas em lares e em varas de família onde se levam meses, anos até, para a escolha de uma escola para uma criança, ou para definir um período de visitação e o bem-estar da criança parece ser apenas um pretexto para sustentar brigas sem fim. Não importa quão virtuoso seja o motivo alegado para estas brigas, o custo emocional vai além de qualquer benefício.
Algumas crianças são colocadas diante de um dilema impossível: ou amo papai ou amo mamãe.
Se apoio um é porque estou contra o outro. Aprendem a mentir, omitir, negar os próprios sentimentos. Às vezes, aqueles a quem amam também precisam ser odiados, para garantir o amor da outra figura parental.
A criança aprende a não confiar em suas percepções a respeito do mundo. A não confiar no cuidado do outro.
Crianças dificilmente podem falar, de forma clara, sobre seu sofrimento. Elas só poderiam fazê-lo se estivessem inteiras, sem medo de serem desleais ou traidoras para com um dos pais. Elas precisam não temer perder o amor de um ou de ambos os pais. Elas precisam se sentir “autorizadas” a falar sobre seu sofrimento.
E é importante que os pais digam isso – que podem. Que seus filhos têm o direito de expressar seus sentimentos. Que o fim do casamento não é o fim do amor por eles. E isso precisa ser dito e confirmado através de atos. Mais do que com palavras, uma criança entende por gestos.
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Comentários
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Lydia, obrigada por ter escrito.
Para aprender, é preciso que haja espaço para uma relação criativa com o ambiente onde uma criança possa “brincar” com os objetos e experiências e, assim, incorporar estas experiências em seu interior, não como uma resposta submissa e automática, mas como uma conquista prazerosa entre ela e o mundo. Ora, se uma criança está imersa num ambiente agressivo e hostil e não compreende inteiramente (nem tem como) as razões das rixas entre seus pais, ela pode fantasiar que, de alguma forma, ela é responsável por isto. Ela pode passar a temer seus gestos e expressões pessoais, retraindo-se e minimizando suas trocas com o meio e sem trocas, como aprender?
A escola pode ajudar ao oferecer aos pais o que a criança necessita: uma escuta respeitosa, a orientação informada acerca da perspectiva daquela criança sobre a questão e, não menos importante, ressaltar aos os pais da importância do cuidado parental, reassegurando e reforçando sua capacidade em exercê-lo acima da dos conflitos conjugais.
Neyza Prochet
Paula, olá.
É fundamental para uma criança a existência de um espaço de confiança para a expressão dos sentimentos desta, liberada do medo de magoar um ou outro pai. Crianças costumam se expressar através do brincar, do relato de uma história ou mesmo através dos sentimentos que ela desperta no interlocutor ou no ambiente, pois ela necessita de uma certa mediação para se comunicar.
Se também os pais se sentem desamparados, não reconhecidos, eles terão muito mais dificuldade em reconhecer estas necessidades nos próprios filhos. Neste caso, é aconselhável que possam primeiramente receber o cuidado do profissional envolvido, para que possam depois repassá-lo para o filho. É como diz o senso comum, não se pode dar o que não se possui e tal como nos aviso de situações de emergência nos aviões, é preciso que os adultos recebam ou tenham recebido um cuidado qualitativamente satisfatório para, então, poder oferecê-lo àqueles que dependem dele. Neyza Prochet
Muitos pais procuram terapia para seus filhos após uma separação somente depois que a criança já está bastante comprometida. O que percebo na prática clínica é que essas crianças precisam sim de um canal de crescimento na relação terapeutica, mas é muito importante que os pais possam trabalhar suas questões inacabadas da expectativa de umn casamento que não deu certo para se ocuparem de fato daqulo que têm em comum: seus filhos, e poder ajudar a mantê-los saudáveis.
Sou professora, trabalho com crianças na fase de alfabetização. Muitas das crianças que tem problemas de aprendizado tem algum tipo de relação com a separação dos pais. O que nós, educadores, podemos fazer para ajudar as crianças a se sentirem menos culpadas, ou ajudá-las a lidar com isso?
Parabéns pela matéria, muito boa. Pra mim, o mais difícil é fazer com que os pais consigam separar seus problemas e diferenças da vida da criança. Muitas vezes por causa de briguinhas sem importância, disputas e ciúmes, os pais acabam colocando a criança em posição de escolha, ou pior, deixando que a criança ver a situação em que eles se encontram, o que só aumenta a pressão sobre ela. Como agir nesses casos?